quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

A Invenção de Morel


 A Invenção de Morel - Adolfo Bioy Casares

Em sua obra de science-fiction psicológica, Adolfo Bioy Casares conta a história de um fugitivo condenado à prisão perpétua que, em sua fuga, passa a abrigar uma ilha que é notoriamente infectada por uma estranha peste e que, por isso, não é habitada nem frequentada por qualquer pessoa.
Atendendo à máxima necessidade de escapar e sobreviver, o fugitivo se arrisca à ilha infectada. Em forma de diário, ele escreve sua estadia na ilha, entre lutas de sobrevivência e momentos de reflexão na tentativa de arquivar sua história e eternizar sua memória.
Atrapalhando sua luta pela sobrevivência, o fugitivo passa a perceber a presença de misteriosos turistas que chegaram à ilha; entre eles, uma mulher que sempre assistia ao crepúsculo, sozinha em sua beleza e seu olhar distante de meditação. O personagem principal passa a observá-la em segredo em todos os fins de tarde e percebe sua paixão pela bela mulher crescer a cada dia. Em sua vontade de se fazer perceber, começa a pensar em meios de falar com a tal mulher e a fazer planos para que não a assuste ao se revelar.
Porém, ao tentar se revelar, percebe que nem a mulher nem os outros turistas pareciam percebê-lo ali, como se ele fosse invisível ou como se apenas o ignorassem. Espantado, passa a pensar se isso é devido à sua dieta de sobrevivência, que poderia tê-lo deixado invisível, se, finalmente, estava sendo atingido pela peste que assolava a ilha ou se ele mesmo ou os outros seriam fantasmas. Continua, assim mesmo, observando a mulher todos os dias, até a aparição de outra pessoa, um homem, que passa a acompanhá-la em sua saudação ao crepúsculo. Tomado por ciúmes, o fugitivo passa a analisar a conversa entre a mulher e o detestável homem, descobre que seus nomes eram Faustine e Morel e que suas conversas se repetiam perfeitamente em dias diferentes.
Se aproximando cada vez mais do grupo de turistas, o fugitivo descobre que seus visitantes são apenas “projeções” das pessoas reais que estiveram ali tempos antes. Essas imagens foram gravadas por um mecanismo inventado por Morel – mecanismo tal responsável pela radiação infecciosa da ilha –, que em sua tentativa de ter Faustine pela eternidade, se submete à morte pelas imagens gravadas na ilha, que se repetiriam eternamente, como é percebido pelo fugitivo.
Não tendo outra escolha, o fugitivo decide entrar na gravação usando a invenção de Morel para ser eternizado juntamente com Faustine, querendo apenas existir na consciência da mulher.
Bioy Casares, nessa magnífica obra, trabalha o amor idealizado como o desejo da eternidade ao lado da pessoa amada e como a vontade de ser percebido. Tanto o fugitivo como Morel foram encantados por Faustine, uma mulher belíssima e quase surreal, e não sendo correspondido, se submetem à deterioração própria pelo medo de viver sem tê-la para si. Morel, mesmo convivendo e se relacionando à Faustine, é ignorado pela mesma – o que, para o fugitivo, é certo de acontecer.
O romance é o relato de uma história de amor na qual os personagens estão separados pelo tempo e, também, pela paixão que os une. Não há espaço para o real na obra, o amor retratado é idealizado e metafísico.
Imagem significa basicamente representação. Existe uma expressão comumente utilizada: “Tenho uma imagem a zelar”, ou seja, tenho um molde de como quero aparentar ser para as pessoas ao redor. E cultivamos “a imagem” por vários motivos, sendo um dos principais o desejo de ser aceito, de ser amado. Essa representação própria pode ser construída baseada na suposição ou certeza do que agrada o outro. O narrador se apaixonou por uma imagem, porém neste caso, uma imagem de uma mulher que já havia morrido e que ele nunca conheceu.
Essa história nos leva à análise a respeito da reprodução e projeção realizadas por meios tecnológicos: a vida pode ser aprisionada e permanecer como vida? Como isso é possível se a vida é uma sucessão, não uma repetição de fatos? As imagens eternizadas são postas como um paraíso, para o fugitivo e Morel, porém, são apenas imagens, por mais realistas que sejam. Não há futuro, não há sentimentos adquiridos e não há mudança. Tudo permanece estático pela eternidade e, até possuindo elementos bonitos e sentimentais, pode se tornar o inferno.
Ao fim do livro, resta a sensação de que muitos de nós não buscamos viver, somente nos contentamos com uma imitação de vida. É como se já tivéssemos morrido, mas ainda não nos demos conta disso. Falta mais coragem para se submeter ao que é arriscado e que, por sua vez, é muitas vezes o responsável por trazer um pouco mais de vigor. Mas a vida não é estática, uma hora ela revela a crueldade da realidade.
Otto Maria Carpeaux, responsável pelo posfácio da obra, relata que a mesma já foi classificada como um romance policial, mas que é muito superior a isso. E mais: acrescenta que “todas as narrações de Bioy Casares são histórias prodigiosas, histórias para espantar.”. 


Por Clarissa Paiva, Letícia Vallecilo, Lívia Maggessi, Marina Vilhena e Priscila Verônica. Turma EC2 - Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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