“Faustine vive?” (A Invenção de Morel, Pag. 102). A indagação do personagem sobre a existência da imagem por quem se apaixona é uma forma que o autor, Adolfo Bioy Casare, encontra de discutir a influência da imagem no amor. O livro “A Invenção de Morel”, originalmente publicado em 1940 é considerado o mais importante da obra do escritor argentino. Ela daria inicio ao movimento chamado Realismo Mágico ou Realismo Fantástico que se desenvolve durante o século XX e até hoje é usado em livros e, principalmente filmes. Nesse gênero o autor combina elementos reais com temas e situações “mágicas”, ou irreais.
O livro é escrito em
forma de diário pelo personagem principal. Nele o personagem descreve seus dias
e suas vivencias, como foi sua vida naquela ilha deserta desde quando chegou. Para
alguns, o romance trata além da questão da importância da imagem no amor, ele
também faria criticas à sociedade e suas novas tecnologias. Porém, vamos nos ater
a discussão do primeiro tema nessa resenha.
O romance conta a
história de um perseguido da justiça que para tentar escapar foge para uma
ilha, inicialmente, deserta. Apesar da não existência de ninguém no local o
personagem descobre a existência de alguns elementos que o fazem crer que um
dia já houvera alguém ali. O museu, piscina e a capela são as únicas
construções de toda a ilha. Passa algum tempo, cerca de três ou quatro anos,
segundo o personagem, sem que houvesse sinal de alguma pessoa na ilha.
Da noite para o dia
tudo isso muda. O personagem começa a ver pessoas na ilha. Essas passam a
habitar o antigo museu. Inicialmente o personagem se esconde desses intrusos,
como ele mesmo os chama com medo de eles estarem ali para entrega-lo à justiça.
Porém, mesmo não querendo ser descoberto ele não consegue deixar de vigiá-los,
principalmente de vigiar uma mulher que todo dia, ao cair das pedras, vai às
pedras da ilha ver o pôr do sol.
O interesse por essa
mulher, que depois ele descobre que chama Faustine, aumenta a cada dia. Ele
começa a segui-la e questionar-se se ela estaria mesmo ali para entregá-lo à
justiça ou seria apenas um turista ou moradora daquela ilha. Seu sentimento
passa de uma curiosidade para uma paixão, como ele mesmo descreve. Com o seu interesse
cada dia maior o personagem decide-se por falar com ela. Numa tarde ele a segue
até as pedras e tenta falar com ela quando a mesma esta indo embora. Para sua
surpresa, Faustine passa por ele se o notar ou ignora-o descaradamente.
A atitude de Faustine
só faz com que o personagem se apaixone mais por ela. Frases como “Um morto
nessa ilha tu velaste”, “Já não estou morto, estou apaixonado” (A Invenção de Morel, Pag. 40 e 41),
entre outras passam na cabeça do personagem em uma possível homenagem à amada.
Por mais de uma vez ele tentou contato com Faustine durante sua observação do
pôr do sol. Sempre ignorado. Certa vez a moça não foi sozinha, fora com um
homem, barbudo. Mesmo assim o fugitivo tentou conversar e obteve a mesma
situação das outras vezes, só que dessa vez o homem, que se chamava Morel,
também o ignorará.
O narrador descreve
muitas outras coisas que, para um leitor atento, davam dicas do que poderia se
passar naquela ilha. A presença de dois sóis e duas luas, quão novo parecia o
museu, a piscina e a capela quando os hóspedes estavam lá, entre outras coisas.
Boa parte do desenrolar
do livro se baseia nas impressões do narrador sobre esses intrusos. O porquê de
eles o ignorarem, os questionamentos sobre os dois sóis, a reforma aparente dos
edifícios, etc., mas principalmente descreve essa obsessão do personagem por
Faustine. Ele não gostava de Morel. O “barbudo”, como muitas vezes se referia,
parecia ter uma paixão por Faustine que, apesar de não correspondida, o
incomodava. Além disso, o fato de não conseguir falar com sua amada e Morel
conseguir o fazia pensar que mesmo se um dia viesse a encontra-la “de verdade”
ela ainda gostasse mais de Morel por conhecê-lo a mais tempo.
Mais para frente há uma
reunião entre os intrusos e Morel desmascara o grande mistério do livro: por
que os intrusos e o narrador viviam em “outra dimensão”. Morel, que era
inventor, havia feito uma maquina que era capaz de, praticamente, reproduzir a
vida. Assim tudo que ela gravava durante um determinado tempo se tornaria eterno
e, apesar de poder se vê-lo ninguém poderia entrar nessa eternidade. Morel
havia “gravado” o grupo por uma semana, assim eles viveriam dentro daquela
semana por toda a eternidade.
Desse momento em diante
o personagem se vê impossibilitado de encontrar Faustine, que se tornará quase
que a razão de seu viver. Indaga-se muito sobre o que fazer. Suas esperanças de encontrar a amada haviam
desaparecido, mas não conseguiria viver naquele anonimato unilateral.
Levado pela
curiosidade, procura a maquina de Morel e tenta entende-la. Faz testes com ela.
E finalmente, graças a essa sua paixão que se tornará maior que seu viver usa a
maquina em si mesmo para que assim pudesse viver sua eternidade ao lado de
Faustine. E em seu ultimo relato no seu diário diz: “Minha alma ainda não
passou para a imagem senão teria morrido, teria deixado de ver (talvez)
Faustine, para estar com ela numa visão que ninguém recolherá” (A Invenção de Morel, Pag. 124).
Adolfo Casare aborda um
tema muito complexo e delicado: a relação da imagem no amor. Lido o livro
inteiro, nota-se pouquíssima falas de Faustine, poucas descrições dela (seus
hábitos, costumes e mesmo suas características físicas). Sabe-se muito pouco sobre ela. Mas mesmo
assim, o narrador mostra-se loucamente apaixonado por ela. Isso se deve à
imagem criada sobre essa mulher. É por essa imagem que ele se apaixona.
Quando falamos de
imagem pode parecer um pouco ambíguo, pois, Faustine é uma imagem para o
narrador. Porém, em sua cabeça ele cria uma “imagem da própria imagem”. Uma
Faustine idealizada, que se torna o seu grande amor. E o fato de ele não
conseguir se comunicar com ela acaba deixando essa imagem em sua cabeça
“intacta”. A sabedoria popular diz que o começo de namoro é sempre perfeito,
pois, nele os amantes não veem defeitos uns nos outros. Com nosso narrador
acontece algo parecido, porém, pelo fato de nunca “conhecer” Faustine essa
ilusão de perfeição não sai de sua cabeça.
Sempre criamos imagens
das coisas, mas muitas vezes nos decepcionamos com a coisa “real”. Um bolo, uma
festa, um amante, sempre criamos uma expectativa em nossa mente de como aquilo
será. O bolo real pode ser melhor, igual ou pior que o imaginado e acaba por
ai. Já com um amante, o namoro também pode ser melhor, igual ou pior que o
imaginado, porém, ele pode se alterar durante o tempo graças ao desgaste das
duas pessoas.
N’A
Invenção de Morel o que é mostrado é quase que um amor platônico. Onde, até
o fim do livro, o apaixonado nunca se encontrou, falou ou se quer tocou na
amada. Adolfo Casare nos mostra, através do Realismo
Fantástico, uma ideia de imagem que nunca teríamos em nossas vidas normais.
Deve-se prestar muita
atenção nos detalhes dos sentimentos do narrador, pois, são sentimentos que
nunca presenciaríamos. E ai é que está a beleza da obra e também toda sua
atração que causa na relação livro/leitor.
Alexandre, Gabriel e Nickolas

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